segunda-feira, 9 de maio de 2011

Os desafios da educação infantil em pleno século XXI

ESCOLAS PARTICULARES CONFUNDEM PROFISSIONAL COM MERO “TOMADOR DE CONTA” DE CRIANÇAS


Professoras Marília Formiga e Érika Guimarães Ferreira
(diretoras do Sinpro de Nova Friburgo e Região)



Um breve histórico

Quando se fala em Educação Infantil é sempre importante lembrar que o atendimento a esta faixa etária surgiu na época da Revolução Industrial. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho surgiu também a necessidade de se ter onde deixar as crianças para as mães trabalharem. Não havia, neste período, organização alguma para orientar este tipo de atendimento. Buscava-se apenas criar o espaço onde se deixar as crianças, sem qualquer preocupação com a necessidade do fazer pedagógico. Tal descaso representava sério risco à saúde e à integridade física das crianças.

Inicialmente, as mães deixavam seus filhos com as chamadas “mães mercenárias”, que vendiam seus serviços em troca de abrigar e cuidar dos filhos de outras mulheres. O despreparo destas mulheres fazia se refletia no uso de mecanismos de violência para conseguirem manter a “ordem” no espaço, que, na maioria das vezes, também era inadequado para comportar um número maior de crianças.


Aumentaram os riscos de maus tratos às crianças, reunidas em maior número, aos cuidados de uma única, pobre e despreparada mulher. Tudo isso, aliado a pouca comida e higiene, gerou um quadro caótico de confusão, que terminou no aumento de castigos e muita pancadaria, a fim de tornar as crianças mais sossegadas e passivas. Mais violência e mortalidade infantil. (RIZZO, 2003, p.31)



Com o tempo, a necessidade de organização desse atendimento começou a ficar mais evidente e surgiram então as denominadas Escolas Maternais, as creches e Jardins de Infância que, inicialmente, tinham como objetivo principal o assistencialismo. Toda rotina destes espaços era desenvolvida com enfoque nos cuidados básicos de alimentação e higiene. Os profissionais não eram habilitados e, muitas vezes, não eram habilidosos, impossibilitando que as crianças tivessem seus direitos básicos de desenvolvimento e aprendizagem garantidos num universo lúdico e sadio.

Posteriormente, estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento humano, formação da personalidade, construção da inteligência e aprendizagem nos primeiros anos de vida apontaram para a necessidade de um trabalho pedagógico nesta faixa etária. Embora a Educação Infantil tenha mais de um século como cuidado e educação extradomiciliar, somente nos últimos anos foi reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever do Estado e como primeira etapa da Educação Básica.

Até 1971 não havia nenhuma legislação para Educação Infantil, O Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, reforçou a Educação Infantil como direito de todos e dever do Estado, mas somente em 1996 se falou legalmente, pela primeira vez, sobre a Educação Infantil. A LDB 9394/96 dedicou um capítulo exclusivo sobre Educação Infantil.

Conforme aponta a Comissão de Educação Infantil do Sinpro-Rio, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 9.394/96, a creche e a pré-escola foram incorporadas à Educação Básica, constituindo a Educação Infantil. A partir daí, os Conselhos Estaduais e Municipais de Educação passaram a legislar sobre este segmento, regulamentando-o. Todo esse aparato legislativo foi fundamental para normatizar essa fase da educação da criança, que passa a viver em dois mundos diferentes: o da sua casa e o da escola.


Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando o a ação da família e da comunidade. A Educação Infantil será oferecida em : creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; e pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade. (LDB ART. 29 e 30)


 Contexto atual



Segundo Fernanda Nunes, Doutora em Educação da UFRJ, professora da PUC e UNIRIO e especialista em Educação Infantil , constitui hoje um dos principais desafios da Educação a legitimação da Educação Infantil nos sistemas de ensino. Creches, para crianças de 0 a 3 anos, e pré-escolas, para as de 4 e 5 anos, são a primeira etapa da educação básica e, entendidas como tal, devem ser incorporadas aos sistemas de ensino, regulamentadas segundo os critérios definidos pelos conselhos municipais de educação, acompanhadas e supervisionadas.

Outro desafio de relevância é a compreensão de o que é ser professor de criança pequena (concepção de infância e concepção de prática educativa). Neste sentido, devem ser reconhecidos a identidade e o papel dos profissionais da Educação Infantil. Educar e cuidar é muito diferente de tomar conta.

Nos últimos anos, muitos avanços ocorreram na conceituação da educação de crianças pequenas. A partir da mobilização de vários setores da sociedade, foram criadas legislações visando garantir esse direito às crianças e suas respectivas famílias. Passou-se também a reconhecer a necessidade de garantir que os espaços para funcionamento de instituições de educação infantil tivessem infraestrutura adequada às necessidades e peculiaridades de cada faixa etária deste seguimento. Da mesma forma, é preciso reconhecer o importante papel das professoras e professores que atuam nesta etapa da Educação Básica, conforme fica estabelecido no documento do MEC de 1996, de Política Nacional de Educação Infantil, pelo direito das crianças de zero a seis anos:


Essa nova dimensão da Educação Infantil articula-se com a valorização do papel do profissional que atua com a criança de 0 a 6 anos, com exigência de um patamar de habilitação derivado das responsabilidades sociais e educativas que se espera dele. Dessa maneira, a formação de docentes para atuar na Educação Infantil, segundo o art. 62 da LDB, deverá ser realizada em “nível superior, admitindo-se, como formação mínima, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

(...)

As professoras e professores e os outros profissionais que atuam na Educação Infantil exercem um papel socioeducativo, devendo ser qualificado especialmente para o desempenho de suas funções com as crianças de 0 a 6 anos.

A formação inicial e a continuada das professoras e professores de Educação Infantil são direitos e devem ser asseguradas a todos pelos sistemas de ensino com a inclusão nos planos de cargos e salários do magistério.


No entanto, ainda constatamos no nosso contexto atual uma prática que refuta todos esses princípios garantidos em lei. É comum encontrarmos escolas que tratam as professoras e professores como meros “tomadores de conta” de criança, sem o menor reconhecimento da sua prática pedagógica como elemento essencial na formação e desenvolvimento das crianças, uma vez que:

ü A hora-aula das professoras e professores da Educação Infantil tem valor inferior a dos professores que atuam nas demais etapas da Educação Básica;

ü Na maioria dos casos, os profissionais da Educação Infantil são obrigados a cumprir uma carga horária diária maior que os demais;

ü É negado o direito de descanso, garantido da CLT, de 15 minutos por turno de trabalho;

ü Em muitas escolas não há pessoal auxiliar em todas as turmas, ficando a professora ou professor sozinho com mais de 15 crianças pequenas em sala, tendo que dar conta dos cuidados com alimentação, higiene e atividades pedagógicas, além de garantir a segurança de todos, pois, quando algo acontece, este profissional será responsabilizado pelo ocorrido;

ü Vale ressaltar que hoje, no município de Nova Friburgo, o Plano de Educação que teve suas alterações recentemente aprovadas pela Lei Municipal nº 3.913 estabelece em seu capítulo XI Trabalhadores e Trabalhadoras, Meta 4, Ação 4.1, a seguinte relação professor/aluno: Creche – Berçário (de 4 meses a 1 ano e cinco meses aproximadamente) e Maternal (de um ano e seis meses a três anos) – 1 professor por turma/sala de até 15 crianças, com 1 auxiliar de creche para cada 5 crianças; Pré-Escola – 1 professor com auxiliar a cada 15 crianças.

ü Em muitas escolas é exigido do professor realizar atividades que não são de sua competência, como limpeza das salas. É claro que o professor deve zelar pela limpeza e higiene da sala, mas exigir que o mesmo varra e passe pano é mais do que sua função. Para isso a escola deve ter outros profissionais;

ü Em função da falta de estrutura mínima, muitas vezes a professora ou professor não tem tempo para sequer usar o banheiro ou tomar água.


Cabe sempre lembrar que a educação é direito subjetivo de todo cidadão e dever do Estado. No âmbito privado, é uma concessão, devendo as instituições seguir as normas estabelecidas pelo poder público, (no caso as de Educação Infantil-Conselho Municipal que é o órgão que dá autorização de funcionamento e estabelece as normas e diretrizes para toda a Educação Infantil do município) e pelos colegiados que representam a sociedade, assim como respeitar e cumprir as leis e as convenções trabalhistas.

Não podemos mais conviver com o comércio desenfreado da educação cometendo abusos com os profissionais, assim como com famílias que contratam os serviços privados de educação com a ilusão de estarem fazendo o melhor para seus filhos.