Dias 17 e 18 de setembro de 2010 (sexta e sábado)
Local: Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia
Rua Monsenhor Miranda, nº 86 – Centro – Nova Friburgo/RJ
Local: Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia
Rua Monsenhor Miranda, nº 86 – Centro – Nova Friburgo/RJ
I – A Educação brasileira e o quadro atual do ensino privado
As políticas governamentais brasileiras têm-se caracterizado, nos últimos anos, pela combinação do progressivo abandono do caráter público da educação e a adoção de mecanismos privatizantes, que fomentaram o estímulo à expansão desenfreada do ensino privado. O mercado do ensino superior privado no Brasil agigantou-se nos últimos anos por duas razões principais: de um lado, a Lei de Diretrizes e Bases aprovada em 1996 passou a permitir a criação de escolas com fins lucrativos; de outro, o governo de Fernando Henrique Cardoso optou pela franca privatização da educação, ao deixar de investir nas universidades federais e autorizar a abertura sem freios do setor à iniciativa privada. Pesquisas realizadas ainda no ano de 2003 dão conta de um crescimento avassalador, denunciando aumento recorde do número de faculdades privadas no Brasil.
O governo Lula, por sua vez, não procurou estancar o processo de sucateamento e privatização da universidade pública no país. Segundo José Rodrigues (Faculdade de Educação da UFF), em seu livro Os empresários e a educação superior, existem duas frações da classe burguesa interessadas na expansão da educação sob a égide do mercado. A primeira destas frações é a de empresários do ensino (a nova burguesia educacional de serviços), interessados na organização do setor como atividade comercial, ou seja, na promoção da “educação-mercadoria”. Não interessa a esta nova burguesia de serviços qualquer mecanismo de controle estatal sobre o campo educacional. Já o outro grupo é formado pelos empresários industriais, interessados na “mercadoria-educação”, isto é, a forma de garantir que o serviço, previsto na Constituição brasileira na condição de um direito social, torne-se uma mercadoria capaz de, por meio da qualificação da mão-de-obra industrial, ampliar os ganhos de produtividade e os lucros dos processos produtivos, na busca pela competitividade no mercado capitalista. Para esta fração da burguesia interessa, também, que haja o mínimo controle estatal sobre a educação superior, em especial a pública, para que esta lhe sirva como fornecedora cativa de força de trabalho qualificada.
Ambas as formas do capital (capital mercantil educacional e capital industrial) pretendem transformar a educação em mercadoria. E necessitam do Estado como instrumento facilitador e, mesmo, incentivador deste processo. A proposta de reforma universitária do governo Lula atende principalmente aos interesses dos empresários industriais, quando prevê a adequação da universidade pública à lógica da competitividade e do jogo de mercado capitalista. Mas não desagrada aos empresários do ensino, ao projetar a expansão dos serviços educacionais, na perspectiva da livre iniciativa privada na educação.
O sentido histórico das reformas do ensino superior brasileiro nas últimas duas décadas, ou seja, no período em que passaram a ser hegemônicas as práticas neoliberais, que apostaram na desregulamentação estatal e na livre ação das forças do mercado, aponta para a predominância de três grandes tendências:
1) Reorganização do modelo de financiamento público ao ensino superior: de um lado, exercendo controle sobre a rede pública, exigindo-lhe eficiência e eficácia empresariais, com a restrição de direitos sociais e “flexibilização” das relações trabalhistas, redução de gastos, na precarização das condições de trabalho, introdução de metas como a venda de serviços e patentes, etc. De outro lado, transferindo recursos públicos para o setor privado, por meio de isenções fiscais, financiamentos diretos, redução de encargos trabalhistas, compra de vagas (PROUNI).
2) Novo modelo de ensino, baseado numa pretensa “pluralidade”: de um lado, há o objetivo de atender às demandas do setor produtivo, adequando os conteúdos ensinados e as pesquisas realizadas às necessidades mercadológicas das empresas; de outro, atender à nova burguesia de serviços, que deseja oferecer um ensino de baixo custo, despreocupado com a qualidade e livre de controles governamentais. Desta maneira, quebra-se o modelo de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e estimulam-se novas modalidades de formação e de pesquisa, como cursos de curta duração, ensino a distância, ensino tecnológico voltado às “profissões emergentes”, pesquisa “aplicada” etc.
3) Gestão educacional adaptada às demandas por competitividade, permitindo a participação dos empresários na formulação de políticas educacionais, prestação de serviços de ensino e pesquisa ao setor privado, estímulo ao empreendedorismo, desburocratização das contratações e licitações públicas, etc. Trata-se de implantar uma “atitude empresarial” nas instituições públicas.
Conclui-se que o setor educacional vem se convertendo em espaço ampliado para o processo de acumulação do capital, atendendo cada vez mais às necessidades das empresas e do mercado capitalista e deixando de atender às demandas das camadas populares. Conforme expõe Lalo Watanabe Minto, doutorando da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em resenha sobre o livro de José Rodrigues, “a mercantilização da educação é caminho aberto para a barbárie como forma de (des)regulação social”.
Para entendermos a profundidade do problema, recorreremos aos dados estatísticos. De acordo com o Censo MEC/Inep de 2008, o número de instituições de ensino superior hoje existentes é de 2.252, tendo havido uma diminuição de 29 instituições em relação ao ano de 2007. Tal redução pode ser explicada, conforme dito acima, em função da crescente interferência da lógica de mercado na educação superior, responsável pela integração de instituições, por fusão ou compra, observada nos últimos anos. O setor privado é absolutamente soberano no ensino superior, revertendo o quadro de maior presença das universidades públicas, antes dos anos 1980: 90% das instituições são privadas, enquanto que apenas 10% são públicas, divididas entre federais (4,1%), estaduais (3,6%) e municipais (2,7%). Estão incluídas aqui todas as IES que oferecem cursos de graduação (presencial e a distância). O declínio no número das IES, assim como em 2007, não se refletiu na oferta de vagas, número de ingressos, matrículas e concluintes. Dando continuidade ao ritmo de crescimento do setor nos últimos anos, registrou-se o ingresso de um milhão e meio de novos alunos. As IES privadas foram responsáveis por 79,6% desses ingressos.
Trata-se, pois, de uma fatia das mais lucrativas do mercado, à medida que os investimentos são baixos e o grande número de alunos dilui os custos. Os lucros das IES de grande porte são superiores, proporcionalmente, a empresas como a Vale do Rio Doce, Gerdau e Petrobras. O setor privado da educação já fatura cerca de R$ 36 bilhões por ano, e somente neste ano de 2010, investimentos de cerca de 1,9 bilhão de reais mobilizaram o mercado de sistemas de ensino (metodologias pedagógicas e produção de apostilas). Esta movimentação envolve a desnacionalização da educação brasileira: se em 2005, o grupo Anhanguera Educacional teve 68% de ações adquiridas pelo Fundo da Educação para o Brasil (FEBR), que recebeu U$ 12 milhões da Internacional Finance Corporation (braço financeiro do Banco Mundial), em 2010 o grupo editorial britânico Pearson, dono do jornal Financial Times e da revista The Economist, pagou R$ 888 milhões para assumir a gráfica e a distribuição de materiais didáticos do Sistema Educacional Brasileiro (SEB), cuja origem está ligada a cursinhos pré-vestibular na região de Ribeirão Preto, nos anos 1960. A Kroton Educacional, dona da marca Pitágoras e um dos maiores grupos educacionais do Brasil (com atuação no ensino básico há mais de 40 anos e no ensino superior desde 2001), possui 50% do seu capital em mãos do fundo financeiro internacional Advent. Por sua vez, os donos da Estácio de Sá também procuram compradores para suas ações.Verifica-se, assim, a formação de grandes conglomerados nacionais e internacionais e uma “corrida de gigantes” para o controle da educação brasileira.
Em relação ao ensino fundamental e médio, o ensino privado também cresceu de forma desmesurada nos estados e municípios, como consequência do descaso de governos estaduais e prefeituras para com a educação pública. Em todos os cantos proliferam creches e escolas particulares, deflagrando um grau violento de competição na busca por alunos. Com isso, baixas mensalidades são ofertadas, por trás do que se verificam a queda vertiginosa na qualidade de ensino e o aprofundamento da desvalorização dos profissionais da educação.
Em Nova Friburgo, existem hoje mais de 100 (cem) escolas particulares funcionando, apesar de apenas cerca de 60 estarem plenamente regularizadas junto ao Conselho Municipal de Educação. Além da facilidade encontrada para se abrir e manter uma escolinha atuando, em virtude da precária fiscalização exercida pelo poder público (tanto municipal quanto estadual), determinante para o retorno altamente lucrativo garantido aos mercadores do ensino é a superexploração do professor, transformado em mão-de-obra barata, graças ao desrespeito flagrante dos patrões aos direitos sociais e à legislação trabalhista. Os empregos ofertados são descartáveis, sem um mínimo de estabilidade, atraso de salários, trabalho sem carteira assinada, desconto sem depósito do FGTS, salários inferiores ao piso da categoria, horas extras não remuneradas, trabalho em atividades incompatíveis com as funções do professor, dentre muitas outras cláusulas, inclusive o não pagamento do 13º e do 1/3 de férias e até o não cumprimento do direito fundamental de férias.
II – Sinpro de Nova Friburgo e Região: balanço e perspectivas
O SINPRO de Nova Friburgo e Região tem se destacado, nos últimos mandatos, a promover uma série de denúncias contra as chamadas “escolas-trambique”, aquelas que são campeãs no ranking local da sonegação trabalhista e do ensino de péssima qualidade. Através de nossas denúncias e ações jurídicas, conseguimos fazer com que vários professores obtivessem vitórias judiciais, forçando também com que muitas dessas escolas irregulares fossem fiscalizadas e acionadas pelo Ministério do Trabalho. Vivemos, no entanto, um quadro de desmobilização da nossa categoria, assim como ocorre com a maior parte dos sindicatos brasileiros nestes tempos de hegemonia do capital. Como resultado desta realidade, os acordos coletivos dos últimos tempos garantem apenas reposição salarial com base no índice oficial da inflação e manutenção das cláusulas sociais. Nosso trabalho sindical tem focado sua atuação na formação profissional e sindical, neste quadro de pouca participação das nossas bases nas lutas econômicas e políticas. Nossa maior realização, durante a gestão da atual diretoria (eleita para o triênio 2007-2010), foi o I Fórum de Educação Infantil, que reuniu centenas de profissionais da educação de todos os municípios da Região. O Fórum proporcionou ampla discussão acerca da realidade vivenciada pelo professorado nos dias atuais, contribuindo para aprofundar conhecimentos teóricos e práticos na área do fazer educacional, assim como para promover a formação política da categoria, tratando de temas de seus interesses e da defesa de seus direitos.
Para além do trabalho de formação, da atuação jurídica e das tarefas de agitação e propaganda do Sindicato, hoje reforçadas com a criação do nosso blog (http://sinpronf.blogspot.com), é necessário que busquemos retomar ações mais efetivas contra as empresas que sistematicamente vêm causando enormes prejuízos aos trabalhadores da educação. Se hoje é mais difícil mobilizar os trabalhadores, devemos procurar alternativas no sentido de tentar envolver o conjunto da sociedade, dirigindo também aos alunos e pais nossos boletins e panfletos, deixando-os a par das irregularidades cometidas pelos donos das escolas-trambique; promovendo manifestações na porta dos colégios com a presença da mídia, coletivas com a imprensa, atos públicos, etc.
O Sinpro de Nova Friburgo e Região exerce importante atuação no interior do Conselho Municipal de Educação, onde é muito respeitado por conta das intervenções coerentes na defesa dos interesses dos professores e de uma educação de qualidade. Por dentro do CME, contribuímos ativamente para a realização da II Conferência Municipal de Educação (novembro de 2008), que reavaliou o Plano Municipal de Educação. Em 2009, também colaboramos para as etapas municipal e regional da CONAE (Conferência Nacional de Educação), responsável pelo PNE, aprovado na etapa nacional da Conferência, em março deste ano, da qual participaram dois diretores do nosso sindicato e uma professora sindicalizada. O Conselho Municipal de Educação, conforme proposta apresentada pelo Sinpro, deverá ser objeto de uma reestruturação na sua representação, para que seja garantida a presença do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE) e de representação dos usuários (pais e alunos), além de se obter maior autonomia, com a redução do número de membros do governo municipal (hoje maioria) e da revogação da obrigatoriedade de o presidente do CME ser o secretário municipal. Para o ano de 2011, está prevista a realização do Fórum de Educação, para escolha da representação de usuários junto ao Conselho, e da III Conferência Municipal. O CME pode ainda se tornar importante instrumento de fiscalização das escolas particulares, conforme previsto em reunião.
Devemos insistir numa ampla campanha de filiação, para que os professores de todas as escolas particulares de Nova Friburgo e Região associem-se ao SINPRO, a fim de que a extensão da base sindical às cidades vizinhas a Friburgo (Cachoeiras de Macacu, Bom Jardim, Duas Barras, Cordeiro, Cantagalo, Macuco, Carmo, Sumidouro, Trajano de Moraes, Santa Maria Madalena e São Sebastião do Alto) seja de fato concretizada. Só assim conseguiremos desenvolver uma ação permanente junto à totalidade de estabelecimentos de ensino da rede privada, fortalecendo o conjunto da nossa categoria.
Devemos ampliar nossas ações conjuntas com o SEPE, a fim de estreitar os laços de solidariedade dos trabalhadores da Educação em nosso Município e em toda a Região, na luta por uma escola democrática e de qualidade social. Tais ações já frutificaram através da organização de várias atividades, como seminários, cursos de formação política e sindical, palestras, lutas comuns em defesa da universalização da educação pública e gratuita à população, na garantia da qualidade social do ensino, no respeito aos direitos dos trabalhadores, fim dos contratos temporários de trabalho, planos de carreira, dentre outras proposições, que contemplassem também os direitos dos trabalhadores das escolas particulares. Um exemplo desta luta comum foi, no ano de 2007, a batalha contrária à municipalização de escolas ligadas à educação infantil, como foi o caso do Pré-Escolar do IENF, cujos professores se mobilizaram por meio de manifestações e idas à ALERJ, contando com a solidariedade militante do nosso sindicato.
É preciso dar continuidade ao bom trabalho de articulação com os movimentos sociais da cidade e da região, a exemplo da participação sempre destacada em campanhas nacionais de luta, tais como as mobilizações contra a ALCA, a dívida externa, pela anulação do processo de privatização da Companhia Vale do Rio Doce e, mais recentemente, no Plebiscito pela limitação da propriedade da terra no Brasil; assim como a presença nas manifestações unitárias de 1º de Maio, nas lutas locais contra os preços abusivos das passagens de ônibus, no apoio a outras categorias em luta (como no caso das greves dos operários da Fábrica Filó e da metalúrgica Hela) e outros movimentos populares. No âmbito cultural, as comemorações festivas do Dia do Professor e, desde o ano de 2007, do Dia Internacional da Mulher, celebradas com muita música, poesia, denúncias e belas imagens, são importantes manifestações no sentido de resgatar nossos valores histórico-culturais, transformando tais atividades em uma política cultural do Sindicato, que já virou tradição para o professorado.
O SINPRO de Nova Friburgo e Região deve continuar estreitando os laços de ação política e sindical com as entidades representativas do professorado, como a FETEERJ, a CONTEE, o SEPE, a Associação de Docentes da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia, assim como o conjunto de sindicatos de trabalhadores e de movimentos sociais de Nova Friburgo e Região. Aprofundar as relações e ações de solidariedade, juntamente com as entidades e os movimentos organizados dos trabalhadores, deve ser um objetivo permanente, pois, dessa forma, podemos aprofundar nossos vínculos classistas, fortalecendo a classe trabalhadora na resistência aos ataques do capital e buscando sempre avançar na conquista de direitos. Devemos priorizar nossa participação em atividades e eventos unitários organizados por organizações que compõem o campo combativo, classista e de esquerda do movimento sindical e popular. Somente a união e a mobilização do conjunto dos trabalhadores poderá garantir um dia a ultrapassagem deste sistema que nos explora e oprime e sua substituição por uma sociedade justa e igualitária.