quinta-feira, 3 de outubro de 2013

TEXTO BASE PARA O III CONGRESSO DO SINPRO E REGIÃO

I – A Educação brasileira e o quadro atual do ensino privado

O processo de mercantilização da educação brasileira, em particular do ensino superior, cresceu de forma vertiginosa nas últimas décadas, principalmente nos governos do PSDB e do PT. Se, durante a ditadura empresarial-militar implantada a partir do golpe de 1964, foram plantadas as bases do sistema educacional atual, voltado ao atendimento das exigências de formação de força de trabalho para as empresas capitalistas, nos últimos anos aprofundou-se a expansão do ensino exclusivamente movido por interesses mercadológicos e para reproduzir os valores burgueses e capitalistas.

Conforme aponta o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, instituída para apurar denúncias encaminhadas pelo Sinpro-Rio relativas a gestão fraudulenta, enriquecimento ilícito, desvio de recursos públicos, apropriação indébita, lavagem de dinheiro, propaganda enganosa, precarização das relações de trabalho, inclusive com assédio moral, extinção arbitrária de conselhos universitários, manipulação e repressão às representações de professores, alunos e outros servidores, criação de monopólios e deterioração da qualidade do ensino nas entidades particulares de ensino superior, estima-se que 77,2% das matrículas sejam oferecidas por instituições privadas de ensino superior, o que corresponde ao atendimento de 4.775.420 de estudantes. O sistema de ensino superior do Brasil, segundo dados de 2010 do Inep, tem 2.378 instituições de educação superior (IES), das quais apenas 278 são públicas. Ou seja, 88% das IES pertencem à iniciativa privada, leiga e religiosa.

Se o governo do PSDB aprofundou o desmonte da escola pública, os governos do PT deram pleno incentivo ao crescimento do ensino privado. Muito contribuíram para tal crescimento programas como o FIES e o PROUNI, verdadeiros mecanismos garantidores dos interesses do empresariado da educação, favorecido com a renúncia fiscal antes restrita às instituições ditas filantrópicas e com a entrada de novos alunos bancados pelo Estado. Tais medidas já representavam uma resposta, em socorro das instituições privadas, à crise desenhada em função da expansão recorde nos anos anteriores, resultando na inadimplência generalizada do alunado e na grande quantidade de vagas ociosas nas faculdades e universidades particulares.

Além disso, o PROUNI se alinha às diretrizes dos organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial, associadas ao discurso e às práticas de cunho individualista e competitivo, em que a “qualidade” e a “eficiência” da escola e do professorado seguem os parâmetros determinados pelo mercado, em detrimento de políticas públicas construídas em favor do atendimento às amplas necessidades da população e, em especial, dos trabalhadores. Avançam, no interior das universidades brasileiras, projetos integrados aos interesses capitalistas, que visam a, no fundamental, moldar o ensino à lógica do treinamento para o mercado de trabalho. Com isso, as mudanças processadas são marcadas pela flexibilização curricular, diminuição da carga horária, precarização da formação profissional e redução dos custos, principalmente com a remuneração dos docentes.

O fenômeno mais recente é a mercantilização acompanhada da financeirização da educação superior: grandes grupos movidos pelo capital internacional, verdadeiros conglomerados monopolistas, entram no Brasil e participam agressivamente do processo de concentração de capital – por meio de compra e venda de ações, fusões, investimentos – no setor educacional. Trata-se de uma fatia das mais lucrativas do mercado, à medida que os investimentos são baixos e o grande número de alunos dilui os custos. Os lucros das IES de grande porte são superiores, proporcionalmente, a empresas como a Vale do Rio Doce, Gerdau e Petrobras. As aquisições e fusões empresariais no setor educacional superior privado brasileiro movimentam bilhões de reais. O relatório da CPI da ALERJ ilustra bem a situação:

Dois grandes grupos ilustram bem o atual processo de forte presença privada no ensino superior. Um é a Galileo Educacional, que recentemente passou a controlar a Universidade Gama Filho (UGF) e o Centro Universitário da Cidade (UniverCidade). O outro grupo que contribui para a mesma ilustração é o Grupo Kroton Educacional, com sede em Belo Horizonte. Ele atualmente está presente em trinta (30) municípios de nove (9) estados brasileiros, nos quais controla quarenta (40) unidades de ensino superior, com mais de noventa e dois (92) mil alunos. Somente no primeiro semestre de 2011 obteve um lucro líquido de 174%. Em 2006 sua renda líquida chegou a cento e treze (113) milhões de reais. A sua avidez de expansão é grande e se faz acompanhar de oferta de ações na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). Dados obtidos junto à BOVESPA informam a sua captação de recursos junto a investidores institucionais residentes e domiciliados nos Estados Unidos da América, por meio de Agentes de Colocação Internacional (Itau, BBA USA Securities Inc., BTG Pactual, US Capital Corp., Santander Investment Securities Inc., Bradesco Securities Inc. e Banco Votorantim Securities Inc.). Esta expansão basicamente está concentrada nas áreas de conhecimento que exigem baixos investimentos em pesquisas, laboratórios e tecnologias educacionais. (…)
A continuidade desta expansão apenas em conformidade com as leis do mercado deixa-a aberta ao arrivismo mais selvagem (...) No fundo o que se pretende é que as universidades se submetam às regras de competição do mercado e, de preferência, transfiram parte considerável de suas atividades fins – ensino, pesquisa e extensão – a um capital de serviços1.

São grandes empresas capitalistas que não têm compromisso algum com a educação de qualidade, apenas com seus lucros. Compram e vendem escolas como se fossem secos e molhados, não se importando com a situação de estudantes e professores. E o MEC nada faz para impedir este descalabro na educação brasileira.

Em relação ao ensino fundamental e médio, o setor privado também cresceu de forma desmesurada nos estados e municípios, como consequência do descaso de governos estaduais e prefeituras para com a educação pública. Em todos os cantos proliferam creches e escolas particulares, deflagrando um grau violento de competição na busca por alunos. Com isso, baixas mensalidades são ofertadas, por trás do que se verificam a queda vertiginosa na qualidade de ensino e o aprofundamento da desvalorização dos profissionais da educação.

Em Nova Friburgo, inúmeras escolas particulares funcionam, mesmo sem estar plenamente regularizadas junto ao Conselho Municipal de Educação. Além da facilidade encontrada para se abrir e manter uma escolinha atuando, em virtude da precária fiscalização exercida pelo poder público (tanto municipal quanto estadual), determinante para o retorno altamente lucrativo garantido aos mercadores do ensino é a superexploração do professor, transformado em mão de obra barata, graças ao desrespeito flagrante dos patrões aos direitos sociais e à legislação trabalhista. Os empregos oferecidos são descartáveis, sem um mínimo de estabilidade, e vários professores sofrem com atraso de salários, trabalho sem carteira assinada, desconto sem depósito do FGTS, salários inferiores ao piso da categoria, horas extras não remuneradas, trabalho em atividades incompatíveis com as funções do professor, dentre muitas outras situações, inclusive o não pagamento do 13º e do 1/3 de férias e até o não cumprimento do direito fundamental de férias.

II – Sinpro de Nova Friburgo e Região: balanço e perspectivas

Mas o Sindicato dos Professores de Nova Friburgo e Região tem atuado incansavelmente no sentido de barrar o desrespeito dos patrões aos direitos básicos dos profissionais da Educação. Nesta gestão, iniciada em 2010, encaminhamos ao Ministério Público e ao Ministério do Trabalho denúncias e ações jurídicas, através das quais forçamos que muitas escolas irregulares fossem fiscalizadas, acionadas e multadas. Solicitamos mesas redondas no MTE com instituições que não cumpriam cláusulas da Convenção Coletiva de Trabalho e, em muitos casos, conseguimos reverter o quadro em favor dos trabalhadores.

Apesar do quadro de desmobilização da nossa categoria, que sofre intensa pressão e ameaças da parte do patronato para não partir para a luta, conquistamos, nos últimos anos, acordos coletivos com reposições salariais acima do índice oficial da inflação, com a manutenção das cláusulas sociais. Em especial, temos obtido reajustes maiores para os profissionais que atuam nos segmentos da Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Na Convenção Coletiva deste ano (2013-1014), conquistamos 15% de reajuste para o piso salarial da Educação Infantil e 1º a 5º anos do Ensino Fundamental, o maior índice de reajuste nas escolas particulares em todo o Estado do Rio. Mas sabemos que os salários entre os diferentes segmentos continuam muito desiguais. Por isso, não desistimos de lutar pela progressiva redução das diferenças entre os níveis até a conquista de um piso salarial único para todos os professores. A discrepância existente entre os salários dos profissionais dos primeiros segmentos e dos demais não passa de uma discriminação injustificada, já que hoje as exigências de formação são as mesmas para todos os professores. Tampouco podemos concordar com pagamentos diferenciados em função de quantidade de alunos por turma, quando o Plano de Educação de Nova Friburgo estabeleceu um limite máximo de alunos nos diversos segmentos da Educação.

Por sinal, foi a atuação do Sinpro de Nova Friburgo e Região no interior do Conselho Municipal de Educação que garantiu a transformação em lei das propostas aprovadas na II Conferência Municipal de Educação (novembro de 2008), que reavaliou o Plano Municipal de Educação e, dentre outras importantes deliberações, decidiu pela limitação da quantidade de estudantes nas salas de aula, a fim de que sejam proporcionados ensino de qualidade e preservação da saúde do trabalhador. Juntamente com educadores de luta, pressionamos a Câmara Municipal, que, em 2011, votou a Lei Municipal nº 3.913, que determina a relação adequada do número de professores e auxiliares por número de alunos nas salas de aula das redes pública e privada de ensino, da seguinte forma: Educação Infantil: Creche – Berçário e Maternal – 1 professor por turma de até 15 alunos, com 2 auxiliares; Pré-Escola – 1 professor c/ auxiliar a cada 15 alunos. Ensino Fundamental: Do 1º ao 3º ano – turmas de até 20 alunos; do 4º ao 9º ano – turmas de até 25 alunos. Ensino Médio: até 35 alunos. Ensino Superior: até 40 alunos.

Também em virtude de proposta apresentada pelo Sinpro, o Conselho Municipal de Educação sofreu significativa reestruturação na sua composição, antes majoritariamente governista e patronal, passando a garantir a presença do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE) e de representação dos usuários (pais e alunos), além de obter maior autonomia, com a redução do número de membros do governo municipal e da revogação da obrigatoriedade de o presidente do CME ser o secretário municipal. Tivemos, de igual forma, decisiva participação nas várias atividades promovidas pelo CME, como a realização da primeira eleição para diretores das escolas municipais, o II Fórum de Educação Infantil e a III Conferência Municipal de Educação, em 2012. Neste ano de 2013, participamos da organização do II Fórum de Educação, para renovação da representação da sociedade civil no Conselho, e das etapas municipal e intermunicipal da Conferência Nacional de Educação (CONAE), que discute as diretrizes do Plano Nacional de Educação.

Estivemos à frente do movimento contra o fechamento da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia, juntamente com a Associação de Docentes da instituição, assim que soubemos da intenção da Congregação de Santa Dorotéia de não mais manter a Faculdade. Além de colocar o departamento jurídico do sindicato à disposição dos professores, para garantir a preservação dos direitos constituídos e o pagamento dos salários e indenizações (o que está sendo cumprido à risca, inclusive com a reposição anual das perdas salariais), participamos das assembleias dos professores, funcionários e estudantes, de reuniões com autoridades, de audiências públicas na Câmara Municipal e do Ato Público, em 30 de novembro de 2011, em que abraçamos simbolicamente o prédio da Faculdade e saímos em passeata pelo Centro de Friburgo. A luta continua em defesa da federalização dos cursos da FFSD, movimento que será retomado no ano de 2014, último ano de funcionamento da instituição, para evitar o verdadeiro apagão na formação de professores em toda a região.

O Sinpro de Nova Friburgo e Região tem participado ativamente das atividades promovidas pelo Fórum do Movimento Sindical e Popular, entidade criada após a tragédia climática de 2011 para cobrar a responsabilidade dos sucessivos governos municipais e estaduais que permitiram a ocupação desordenada de encostas, margens de rios e outros espaços impróprios para a habitação, assim como para exigir das autoridades de plantão ações efetivas no sentido da reconstrução da cidade. Hoje o Fórum Sindical e Popular encaminha várias reivindicações dos friburguenses, a exemplo do abaixo-assinado com mais de 10 mil assinaturas solicitando da Câmara Municipal a instalação de uma CPI que investigue o contrato do Executivo com a empresa Águas de Nova Friburgo, extremamente lesivo aos moradores e unicamente lucrativo ao monopólio privado que administra a concessão dos serviços de água e esgoto. Participamos ainda das manifestações contrárias ao aumento das passagens de ônibus e da solidariedade aos trabalhadores em greve, como no caso dos bombeiros, professores estaduais, bancários, metalúrgicos, têxteis, vestuários e, mais recentemente, dos educadores municipais.

Portanto, atuamos em diversas frentes de luta, mas reconhecemos que há necessidade de um trabalho mais permanente de visita às escolas, para fiscalização das condições de trabalho dos professores e para um contato mais estreito com a categoria, a fim de avançarmos na luta contra a exploração e pela conquista de novos direitos, como a remuneração da hora tecnológica, já prevista em lei, mas ignorada pelos patrões, pelo respeito ao limite de alunos nas salas de aula, pela elaboração de um Plano de Cargos e Salários dos profissionais da Educação nas escolas particulares, por ganhos reais nos salários e pela unificação do piso salarial.

Será preciso ampliar a atuação jurídica e o trabalho de formação e de conscientização da categoria, através de palestras, cursos, seminários, fóruns de educação, além da propaganda pelo blog (http://sinpronf.blogspot.com), pelos boletins e jornais, para o que temos contado com o grande apoio da nossa Federação, a FETEERJ. Devemos promover uma ampla campanha de filiação, para que os professores de todas as escolas particulares de Nova Friburgo e Região associem-se ao SINPRO, a fim de que a extensão da base sindical às cidades vizinhas seja de fato concretizada. Para tanto, esperamos que a nova diretoria eleita em 30 de outubro, para o triênio 2013-2016, possa dar continuidade ao trabalho já realizado e promover novas lutas, conforme o plano de ação que será debatido e aprovado no III Congresso do Sinpro de Nova Friburgo e Região, a ser realizado em 18 e 19 de outubro, com o foco na campanha pela valorização dos professores nas escolas particulares. Neste Congresso homenagearemos o Professor João Raimundo de Araújo, da Faculdade Santa Dorotéia, cuja história de vida se confunde com a trajetória do nosso sindicato.


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1O relatório completo da CPI está disponível na página do Sinpro-Rio: http://www.sinpro-rio.org.br